sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Rasurando Mark Twain

Pós-edição: Peter O. Sagae *


A reedição do livro As aventuras de Huckleberry Finn, de Mark Twain, gera polêmica e discussão sobre censura nos Estados Unidos. Publicado originalmente em 1884, o romance ganha uma versão em que serão substituídas todas as ocorrências do termo “nigger” (algo como crioulo), tomado como expressão ofensiva na língua inglesa. Segundo o jornal The Guardian, são mais de 200 inserções no texto que traz as peripécias de um menino ao longo do rio Mississippi em meados do século XIX. Apesar de considerada uma das obras fundadoras da literatura americana, nas últimas décadas, Huckleberry Finn tem sido excluído dos currículos escolares por conta de expressões consideradas racistas. Na nova versão, Jim, amigo do personagem principal, será tratado apenas como “escravo”. Igualmente, Injun Joe, assim chamado de modo íntimo e trivial pelos personagens de Twain, passará a ser “Indian Joe” na refacção de Tom Sawyer.

As modificações foram propostas por Alan Gribben, professor de literatura da Universidade Auburn, de Montgomery, Alabama, à pequena editora NewSouth Books. É uma forma de fazer com que os livros voltem a circular nas escolas, disse Gribben ao jornal inglês The Guardian. “Podemos aplaudir a habilidade de Twain, como um grande escritor americano realista, para registrar a fala de uma região particular durante certa época”, declarou Gribben. “Mas isso não muda o fato de que insultos raciais abusivos, combinando diversas conotações de permanente inferioridade, causem repulsa aos leitores de hoje”.

Todavia, a decisão parece esquecer que Twain foi um crítico engajado contra o racismo, tendo apoiado financeiramente organizações de defesa dos direitos civis. Sarah Churchwell, professora da Universidade de East Anglia, diz que a substituição do termo "nigger" compromete o sentido do livro. "O ponto do livro é que Huckeberry Finn começa racista numa sociedade racista, e deixa de ser racista e abandona aquela sociedade. Essas mudanças [na recente edição] significam que o livro deixará de mostrar o desenvolvimento moral do personagem."

Barbara Jones, diretora do Centro pela Liberdade Intelectual da Associação Americana de Bibliotecas, escreveu em seu site: "As 'Aventuras de Huckleberry Finn' foram escritas por um dos observadores e autores mais prolíferos e perspicazes do mundo literário americano dos séculos XIX e XX. Mark Twain não tinha medo de refletir sobre as forças e as fraquezas de seu país. Ele deliberadamente utilizou a palavra 'negro', e não porque ele era racista".


Pós-edição para o Resumo do Cenário, a partir das matérias:
Palavra "negro" é retirada da obra de Mark Twain (E-Band/AFP)
Editora retira termos racistas de romance americano (R7 Notícias)
Editora censura 'nigger' de Huckleberry Finn nos EUA (Prosa Online)
Editora altera clássico de Mark Twain (Folha de S.Paulo/New York Times)
New version of ‘Huckleberry Finn’ will replace n-word with slave (The Inquisitr)
* Ilustração de Edward Winsor Kemble para primeira edição de Adventures of Huckleberry Finn.

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